sexta-feira, julho 18, 2008

DIÁRIO DE UM FORROBODÓ - V



Por Laila Menechino
Fotos: Roberto Sales e Nádia Burk


Quarto dia, Terceiro Ato

Madama, você me ensina um bocado de franciú?”

Trechos da Música “Guarda e Madama”, de Chiquinha Gonzaga.

Na quinta -feira, dia 17 de julho, três músicas do terceiro e último ato foram ensaiadas pelo coro e a marcação de cenas está quase completa. “Ainda não está pronto, mas amanhã a gente consegue”, espera Celso Branco. “Epa, essa sentada é um escândalo”, refere-se ao momento em que a personagem da atriz da Cia Teatro de Garagem Carolina Gambarini (sim, finalmente ela ensaiou), a francesa fajuta Madama Petit Pois, se senta no colo de Lulu, capoeirista interpretado por Marcio Aurélio Elesbão, do projeto Gingando em Londrina, da Rede Cidadania. Gargalhadas gerais se repetem continuamente.

“Eu falei que esse terceiro ato é uma bobagem”, brinca Celso Branco. “Eu acho legal ter uma música aqui”, intervém o diretor cênico Marcos Hamellin. “Também acho, mas não tem um péra aí?”, questiona a respeito do texto. Tem... “Então Catherine”, fala com a pianista. “Pode ser a introdução da musica 11, por favor”, resolve Celso.

Assim, o terceiro ato vai sendo montado, enquanto coro e restante do elenco aguardam sentados. Até parece que estão cansados. Também é a primeira vez que o o personagem Lulu entra em cena. E Marcio ‘coloca banca’ em sua quarta experiência como ator na vida. Empurra a cadeira com força, mas “lá no palco isso vai funcionar melhor”, avisa Marcos Hamellin. “E, oh galera”, requer que todos se coloquem em cena. “Quando Lulu passar por aqui, abre caminho que o negão é macho”, avisa o diretor cênico.

O capoeirista e também ator Márcio diz que está muito contente por fazer o Lulu. “Hoje que coloquei em prática junto com o elenco. Já tive uma base, agora tenho que burilar... fizemos uma simulação do jogo de capoeira que vai entrar na peça, mas ainda não está pronto” , conta.

Paulo César Pires Leôncio, ator há cinco anos na Fábrica do Teatro do Oprimido, está interpretando o fuzileiro, que apesar de militar, conforme ele, é um pouco covarde. Sobre a opereta, “além de mesclar várias palavras culturais, como hip hop, dança, capoeira, é legal porque está fluindo muito rápido, mesmo trabalhando com várias pessoas que não se conhecem”, avalia.

O fuzileiro tem um tique de gagueira não indicado no texto original. “Quando fui ler pela primeira vez o texto do personagem para o diretor, demorei um pouco na leitura e ele aproveitou e disse para eu manter uma gagueira”, revela. “Acho que gagueira é um medo, não é?”.


Sobre o teatro do oprimido, Leôncio acredita que foi a oportunidade de fazer teatro e ao mesmo tempo ser revolucionário. “Eu fazia caras e bocas para os amigos e ao mesmo tempo sempre me envolvi em movimentos sociais, associações de bairro, essas coisas”. O ator compara “O Teatro do Oprimido faz o povo agir e a peça Forrobodó, pela época, acho que foi super revolucionária. Mulatas feitas por brancas, pobre falando português refinado, ficava uma coisa chula... A Chiquinha Gonzaga quis mostrar a luta de classes e o teatro do oprimido é o teatro negro de agora, fala de racismo, preconceito, da realidade do pobre”.

No terceiro ato, a mulata interpretada por Adelita Siqueira, da Cia Teatro de Garagem, está contrariada. “É que a Zeferina esnobou ele na cena anterior, essa é a vingança dele”, lembra Celso Branco, quase rouco, ao guarda de Glauco Garcia que não estava mais aos pés da mulata. O diretor completa “Quem aparecer, vai levar porrada dela”. O coro fica a postos novamente. Encerrada a passagem do terceiro ato, “vamos passar o primeiro e o segundo ato ainda, por favor, se não a gente perde o ritmo”.

Enquanto isso, a cenógrafa Anick conversa sobre o figurino com todos. Não há recursos suficientes para produzir todo o figurino, mas “quem tiver alguma coisa que acha que cabe na peça, traga amanhã que teremos um horário só para ver o figurino. Meninas de saia cumprida, de preferência cor clara. Meninos, calça social de prega... cinto é importante!”, anuncia a cenógrafa. “Estamos abrindo mão da realidade”, explica Marcos Hamellin.


Ao final da passagem, o diretor comenta que o elenco estava mais cansado que nos outros dias, o que é natural. “Agora eu é que estou cansado, porque esse processo de criação, diferente de quando é só limpar, é muito cansativo”. Segundo ele, sua mente fica ligada em todos os elementos que compõem a estética teatral, seja a luz, a entonação de voz, a posição de palco.

“Vou falar uma coisa e pode colocar aí que fui eu quem disse”, fala ao nosso diário. “O espetáculo não vai ficar legal só porque é um bando de galera pobre, não. Tenho atores aqui do nível do Rio de Janeiro. Muitos ainda não têm prática, mas espera daqui a alguns anos. A Rede Cidadania produz qualidade”, afirma Marcos Hamellin quando o assistente de direção Edson Silva de Lima, participante dos projetos A Rua Dança Cidade e Dançando na Rede, da Rede Cidadania, se aproxima.

“E esse é o melhor assistente de direção que eu já tive. E não estou rasgando ceda, não. Eu não me preocupo com nada e ele já está resolvendo”, afirma olhando para o rapaz. “Opa, cadê o meu texto que sumiu?”. “O seu texto está aqui”, esclarece Edson. As luzes se apagam na Casa de Cultura.

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