Contribuição à discussão sobre o Prêmio Teatro Brasileiro
Há quase dez anos existe a proposta de criação do Prêmio Teatro Brasileiro. Segundo a última versão do projeto, ele pretende “fomentar o desenvolvimento de um teatro que tenha relevância cultural” e “facilitar e estimular o acesso da população ao mesmo”. Movimentações recentes, como a possibilidade de manutenção do mecanismo de renúncia fiscal com alíquota de 100% para viabilizar este prêmio, pedem uma reflexão.
No final da década de noventa, artistas e grupos teatrais paulistanos iniciaram um movimento que impulsionou a discussão de políticas públicas na área da cultura. O Arte contra a Barbárie, já no seu primeiro manifesto, em 1999, afirmava: “a atual política oficial, que transfere a responsabilidade do fomento à produção cultural para a iniciativa privada, mascara a omissão que transforma os órgãos públicos em meros intermediários de negócios.”
Anos mais tarde, no final do governo Lula, o Movimento 27 de Março, em parceria com a Roda do Fomento e o movimento de teatro de grupo da cidade de São Paulo, dizia em carta aberta à sociedade brasileira: "o acúmulo de reflexão realizado durante décadas na área de política cultural, fruto da energia, crítica e sensibilidade de milhares de cidadãs e cidadãos, não se traduziu em ações estruturantes, independentes da lógica de mercado e radicalmente democráticas, como se esperava e como o Brasil precisa."
Passado mais algum tempo, constatamos que a transferência de responsabilidade, e de recursos, da esfera pública para a iniciativa privada, continua sendo a pedra de toque da política cultural brasileira. Como os órgãospúblicos seguem obedecendo o papel de intermediários de negócios, as ações estruturantes reivindicadas não ultrapassaram os estágios preliminares e dormem nas gavetas do executivo e do legislativo. As propostas dos últimos anos, como é o caso do Procultura, projeto de lei que pretende reorganizar a velha Lei Rouanet, ela mesma uma roupa nova para a Lei Sarney (1986), já nasceu prometendo muito menos do que se esperava. E corre o risco de piorar.
Além da manutenção do mecanismo de renúncia fiscal, talvez a maior aberração de política cultural que se tenha notícia abaixo e acima do Equador, o Procultura tem sido alvo de produtores e empresários da cultura que não se satisfazem com o mecanismo de transferência de renda e de submissão do interesse público ao interesse privado. Para eles, a renúcia fiscal de 80% dos valores aplicados em projetos culturais é insuficiente, querem 100%. Nada de novo sob o sol. O grave é que o governo atual, com sua amplíssima base de apoio, parece disposto a aceitar esta e outras condições.
Em função da alegada falta de recursos para investir na arte e na cultura do seu povo, o governo brasileiro e seus interlocutores privilegiados, acenam com propostas mirabolantes. Ora é destinar à cultura recursos advindos das inúmeras loterias que se aproveitam do desejo de melhorar de vida de milhares e milhares de pessoas. Ora é transferir parte dos recursos obtidos com a renúncia fiscal para o Fundo Nacional de Cultura e deste para o Prêmio Teatro Brasileiro.
Esta última ideia revela, além dos equívocos recorrentes no trato da coisa pública, uma peculiar desfaçatez. Agora não apenas pede-se que aceitemos a renúncia fiscal, mas que torçamos para que ela dê certo, já que sairia de uma pequena parte dos seus recursos, o dinheiro para a implementação democrática, através de editais e programas, das ações estruturantes que defendemos há muito tempo, como o Prêmio Teatro Brasileiro.
É esta a situação que vivemos. No lugar de investimento direto e transparente em arte e cultura, ganham lugar os arranjos viciados e as medidas paliativas que invocam o bom-senso, a conhecida "política do possível", ou das migalhas.
Nós, que reivindicamos a clareza política do Arte Contra a Barbárie e do Movimento 27 de Março, não temos o direito de ser tímidos ou venais. É preciso aprovar o Programa Prêmio Teatro Brasileiro, nos moldes do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, com dotação orçamentária própria e critérios de funcionamento definidos em lei específica. O programa que defendemos não deve estar vinculado ao Fundo Nacional de Cultura e tampouco a qualquer mecanismo de renúncia fiscal. Ele deve servir, portanto, como paradigma de uma outra políticia cultural.
Se nossas propostas não se concretizarem amanhã, ou mesmo depois de amanhã, pelo menos teremos a dignidade de deixar para as gerações futuras algumas pistas do bom combate.
São Paulo, outubro de 2011.
Buraco do Oráculo, Companhia Ocamorana, Grupo Teatral Parlendas, Kiwi Companhia de Teatro.
Este texto está aberto a contribuições!
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