segunda-feira, junho 02, 2008

PARA REFLEXÃO E DEBATE - A MORTE DA PSICOLOGA por Bárbara Santos

A Morte da Psicóloga

Bárbara Santos[1]

28.05.08

Sábado, 24 de maio de 2008, num auditório universitário, na cidade do
Rio de Janeiro. No palco, usuários da Saúde Mental. Na platéia, especialistas da Saúde Mental. Confronto? Conflito? Não, uma proposta de Diálogo.

O espetáculo contava a história de um indivíduo com transtornos mentais, encarcerado pelos transtornos da vida, tentando falar com sua Psicóloga para amenizar seu sofrimento psíquico. Diálogo impossibilitado pela profissional especializada na subjetividade humana que se transformou em especialista da objetividade de formulários, horários e regras do Manicômio Judiciário, local com difíceis condições de trabalho, mas com facilidades sedutoras de carga horária.

Diante da impossibilidade do diálogo de idéias e afetos, o preso parte para o contato físico e acaba intensificando seu sofrimento pelo isolamento a que será subjugado. É castigado pelo Sistema com o silêncio, porque quis dialogar quando a ordem era monologar.

A platéia emocionada presenteia o elenco com aplausos calorosos. Constatam mais uma vez a realidade que já conhecem e, ainda assim, se surpreendem.

Mas não bastavam os aplausos, era Teatro-Fórum. A dupla de Curingas[2] , que coordenou o processo com os internos, sobe ao palco para convidar a platéia a intervir, a sugerir alternativas, a trocar idéias, a buscar saídas. Para alguns, a proposta pareceu demasiada. Os compromissos urgentes e inadiáveis fizeram muitas/os especialistas desaparecerem da platéia.

Entre as/os que ficaram, parte achava que a coisa não tinha saída. Mesmo estando em um Fórum Internacional de Saúde Mental, onde estratégias, perspectivas, estudos e pesquisas estavam sendo discutidos, havia muita gente que não enxergava saída para a tragédia do preso com transtorno mental que queria dialogar com a psicóloga do Manicômio Judiciário, onde estava internado.

Ao mesmo tempo, havia também uma parte significativa de pessoas dispostas a discutir e a buscar alternativa para o problema real dos artistas que estavam no palco aguardando o Diálogo Teatral.

Seguindo as regras do Fórum, as/os espectadoras/es se candidataram para tentar resolver esta e outras questões apresentadas, como a morosidade do processo jurídico, por exemplo. Após cada intervenção, a discussão: se a alternativa é viável, se pareceu mágica, se traria resultado concreto e etc.

Na quarta ou quinta intervenção, sobe ao palco um homem: branco, bem vestido, expressivo e comunicativo. Aparentemente, um especialista da Saúde Mental. Em sua improvisação, tenta dialogar com a psicóloga, mas não apresenta nenhum argumento novo, não provocando nenhuma mudança de comportamento na personagem opressora. Inconformado, o homem a aperta pelo pescoço, tira uma caneta do bolso e representa que está matando a psicóloga. Atua com tanta veemência que acaba caindo no chão junto com a atriz, que mesmo se fazendo de morta, não consegue se livrar de seus braços. Foi necessária a intervenção de um dos Curingas para convencê-lo que sua representação tinha ficado clara: a alternativa era matar a psicóloga.

Teatralmente, a psicóloga morreu!

A intervenção foi surpreendente, mas não tanto quanto a reação da platéia que aplaudia efusivamente a idéia. Palmas, gritos histéricos e assobios, indicavam a aprovação da platéia de especialistas à morte da psicóloga. O elenco, formado por usuários da Saúde Mental, parecia surpreso e atônito.

A morte foi simbólica, teatral. Mesmo assim, não deixou de ser morte, simbolicamente. Na platéia lotada, com quase duas centenas de pessoas, certamente, havia um número considerável de psicólogas/os que aplaudia a morte da psicóloga como alternativa para resolução do problema do preso.

A descrença na justiça muitas vezes provoca o aplauso da vingança, sem que os que a aplaudem se dêem conta que estão apoiando, mesmo que simbolicamente, a barbárie.

Ao final dos aplausos o Curinga perguntou se a alternativa ajudaria o oprimido a avançar na resolução do conflito. A resposta unânime de que tal atitude só pioraria sua situação, demonstra que o aplauso não se deveu à interpretação de que aquela seria uma solução conveniente para o
oprimido.

Infelizmente faltou tempo para o debate e, talvez um pouco de experiência ao Curinga, para maieticamente, questionar a platéia sobre qual seria então a conveniência da intervenção.

A morte da psicóloga foi aplaudida com entusiasmo, como se, finalmente, alguém tivesse feito a coisa certa, necessária, o que todo mundo tinha o desejo íntimo de fazer. Se a platéia fosse formada por pessoas portadoras de transtornos mentais, usuários da Saúde Mental, dependentes do atendimento de psicólogas displicentes, seria mais fácil entender o aplauso catártico.

Como se tratava de uma platéia de especialistas da Saúde Mental, com presença significativa de psicólogas/os, fica uma pergunta que não quer calar: O que afinal a morte simbólica da psicóloga representou naquele momento para aquela platéia cheia de psicólogas/os ainda vivas/os?

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[1] Bárbara Santos é Coordenadora Geral do Centro de Teatro do Oprimido.
barbarasantos@ctorio.org.br
http://www.ctorio.org.br

[2] Curinga é a/o especialista do Teatro do Oprimido, nas sessões de Teatro-Fórum tem a função de facilitar o Diálogo entre palco e platéia, que deve se dar através da intervenção direta do/a espectador/a na ação dramática, buscando a superação do problema encenado.

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