segunda-feira, março 31, 2008

UM TEATRO COM CAFÉ E SEM AÇUCAR

Texto de Valdir Grandini Coord. do Programa Rede Cidadania. Epílogo do Catálogo "Teatro do Oprimido 2007"


Que o teatro seja uma linguagem provocadora da consciên­cia dos homens sobre as situações de opressão e as formas de sair delas, sempre foi coisa que provocou mal humor em gente que acha isso degradação da arte. Com acusações deste tipo sempre tentaram diminuir, por exemplo, a dramaturgia de Bertolt Bre­cht.
Aliás, Brecht gostava de provocar esses pontos de vista que acham que a consciência política do expectador é pregação ideológica e não é coisa para a arte teatral. Em 1948, na maturi­dade de seu pensamento, publicou o “Pequeno Organon para o Teatro”, anunciando-o acima de tudo como diversão para “causar prazer aos sentidos”, mas completando que isso seria importante “afim de que as pessoas possam se divertir proveitosamente com a complexidade de seus próprios problemas”.
A mentalidade burguesa de um lado cultua os dramas como se fossem essência humana açucarada e atemporal. Por outro lado alimenta um sistema produtivo que corrói as pessoas e o planeta. Essa mentalidade não aceita que a arte possa ao mes­mo tempo pensar com ludicidade e proporcionar prazer com as descobertas.
Teatro é linguagem. E como tal tem seu especial poder de revelar, nas tramas, nas personagens, nas relações da encena­ção com o público, uma história que se processa, ou seja, foi orga­nizada até ali em forma de dramaturgia para que, a partir de sua realização, o público pudesse julgar atitudes, contextos e desti­nos, tornando-se, ele próprio, protagonista de uma vida sobre a qual recaíram as reflexões do fazer e do pensar com arte.
Os trabalhos da Fábrica do Teatro do Oprimido, em Lon­drina, estão voltados a essa visão de teatro comprometida com a história. Atualmente, três projetos estão em andamento, com­plementando-se: as oficinas do projeto “Teatro e Transformação Social”, que em diversos cantos da cidade estão formando gru­pos de atuadores em torno da linguagem do “Teatro do Oprim­ido”, criada e lapidada por Augusto Boal; a Mostra do Teatro do Oprimido, que está promovendo intercâmbio com grupos de todo país e outros do exterior, através de oficinas e apresenta­ções e, por fim, a Casa do Teatro do Oprimido, uma Vila Cultural voltada para a pesquisa, ensaios, seminários e oficinas culturais.
Os três projetos da Fábrica do Teatro do oprimido inte­gram a Rede Cidadania, junto com dezenas de outros projetos nas mais diversas linguagens, o que dá a Londrina esse lugar privilegiado de laboratório criativo. Na Rede Cidadania, o pes­soal que trabalha com Teatro do Oprimido convive com projetos de circo, capoeira, hip hop, musicalização, cultura popular, artes plásticas, enfim, o que lhes oferece riqueza de expressão, areja­mento nas idéias e possibilidades de fusões cênicas.
Essa soma é o que a arte pode acrescentar para a cidada­nia: são os fundamentos para renovar a relação das pessoas umas com as outras e com as cidades. Então, o pessoal da Fábrica do Teatro do oprimido tem esse “péssimo defeito” de achar que as pessoas – todas – têm potencial artístico e que a arte tem alguma coisa a ver com isso que chamamos de vida. Vamos comemo­rar esse defeito como quem sabe pensar enquanto toma um café e conversa, “pois por toda a parte o homem é impedido pelo homem de se produzir a si próprio, isto é, de angariar seu próprio sustento, de se divertir e de ser divertido”. (Bertolt Brecht).

Valdir Grandini (Dentinho) - Coordenador da Rede Cidadania

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