quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Díarios de Bordo

gostei muito desse...

Contato Humano

Estávamos ensaiando nossa peça sobre catadores de material reciclável, “Ensaio Sobre o Papel”.
Discutindo idéias, concretizando movimentos, expressões e sons através dos exercícios.
Lembro-me de um específico em que exercitávamos nosso lado animalesco, instintivo e lentamente buscávamos a humanização dos gestos.
Este exercício daria origem ao prólogo de nossa peça, todos estavam buscando os movimentos mais adequados e percebíamos como alguns movimentos animalescos se aproximavam de movimentos humanos.

Enfim, buscávamos criar um ambiente com catadores de material reciclável em que o material era disputado, enquanto a exploração do “dono” da cooperativa se espraiava sobre o trabalho quase escravo, a busca por mais um nascer do sol era a única luta deste grupo que, para muitos se camuflava em seu ambiente de trabalho.
Encerrado o ensaio, andei rumo à minha casa com uma amiga. As lojas já estavam decoradas para o Natal: luzes, árvores, guloseimas, vinhos, perus, etc. Estava faminta, entrei em uma loja, atraída por esses enfeites natalinos, comprei uma guloseima e me despedi da amiga que seguiria outro caminho.

Meus pensamentos estavam a vapor, andava devagar, pensava nos movimentos e sentimentos que aquele ensaio havia me rendido.

Alguém havia batido os dedos em meu ombro. Era um homem corpulento, tinha os dedos e as mãos pesadas, calejadas, a cabeça baixa, as roupas sujas, não vi sua sombra, atrás do homem ao invés da sombra havia um carrinho colado em suas costas como cruz, e no carrinho havia uma montanha de papel, plástico e outros materiais.

O homem não me proferiu palavras, muito menos som ou ruído, apenas inclinou sua cabeça cansada, estendeu-me sua mão grande com unhas enormes e afiadas, e por trás dessa brutalidade fixou-me o olhar mais humano e singelo que já vi. Eu, instintivamente, tirei algumas guloseimas do pacote e lhe dei.

Continuei a caminhar, num momento de introspecção que me rendeu um bom tropeço em uma calçada com buracos. Como queria levar aquele catador para nosso grupo. Meu Deus! Quanta humanidade em um simples olhar! Pensei no quanto meu grupo teatral e este homem poderíamos aprender e construir juntos. O que nos separava? Se, somos todos humanos...

Michelli Daros
Grupo Encenação

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